O rastreamento das malformações fetais no início da gestação.

(Prof.Dr. Ayrton Roberto Pastore)

 

O emprego da ultra-sonografia (US) na rotina da assistência pré-natal e o avanço tecnológico dos equipamentos de ultra-som tornou possível estudar de forma adequada a anatomia embrionária e fetal. Este foi o primeiro grande passo para suspeitar e/ou diagnosticar a presença de de anomalias fetais no final do primeiro trimestre da gestação.

Alguns parâmetros fetais são analisados de forma detalhada pois quando alterados são forte indicadores do feto apresentar aterações morfológicas, anomalias cromossômicas ou síndromes genéticas. Eles são também denominadores “marcadores” ultra-sonográficos de cromossomopatias. Os dois mais importantes são a translucência nucal (TN) e o osso nasal (ON).

 

Translucência nucal (TN) do feto

A TN é o acúmulo de fluído na região da nuca (entre a pele e o tecido celular subcutâneo que recobre a coluna cervical). Ela está presente em todos os fetos no período entre 11 e 13 semanas completas de gestação.

A medida da TN neste período, associada à idade materna, fornece um método efetivo de rastreamento para a trissomia do 21 (anomalia cromossômica que provoca a síndrome de Down, também chamada de mongolismo).

A taxa de detecção é de aproximadamente 90% para a síndrome de Down e de 75% para outras anomalias cromossômicas. Entretanto, aproximadamente 23% dos fetos portadores de mongolismo apresentam uma TN dentro dos valores da normalidade. Assim, este importante parâmetro de rastreamento possui uma sensibilidade de 77%.

A medida da TN aumenta com o evoluir da gestação, e o seu valor no final da 13ª semana de gestação deve ficar abaixo de 2,5mm.

O risco do feto apresentar uma cromossomopatia é calculado por meio da idade materna, pela idade gestacional (avaliada no exame de US pela medida do comprimento cabeça-nádegas do feto), e corrigida com a medida da TN. Exemplificando: Se a TN é normal o risco é menor e se a TN é anormal (aumentada) o risco é maior. Existem programas (softwares) que são utilizados com este objetivo pelos serviços de referência em Medicina Fetal.

Se o risco calculado e ajustado ficar abaixo de 1:250, mesmo quando a TN é normal para a época da gestação, existe uma probabilidade maior do feto apresentar anomalias, e nestes casos, exames específicos para análise do cariótipo podem ser indicados (amniocentese, biópsia das vilosidades coriônicas) de acordo com o desejo da paciente (não são obrigatórios, mas é a única forma 100% segura de saber se o cariótipo é normal ou não).

 

Translucência Nucal Fetal Aumentada e Cariótipo Normal

Vários estudos estabeleceram que em fetos cromossomicamente normais a TN aumentada está associada a um grande número de malformações fetais e a síndromes genéticas, e a prevalência destes defeitos aumenta com o aumento da medida da TN (3mm – 2,4%, 4mm – 7,1%, 5mm – 12,3%, 6mm – 16,7%, 7mm – 35,6%).

A prevalência de defeitos cardíacos também aumenta com a medida da TN

Deve ser enfatizado de forma especial aos pais, que a TN “per se” não constitui uma malformação fetal e, uma vez excluída as anomalias cromossômicas, cerca de 90% das gestações com feto apresentando TN menor que 4,5mm resultarão em recém-nascidos vivos e saudáveis.

Cuidados assistenciais na TN aumentada

Frente ao achado de uma TN aumentada, deve-se proceder:

– Exame morfológico fetal detalhado através do ultra-som para excluir malformação estrutural fetal (lembrando que neste período, entre 11-14 semanas de gestação, a sensibilidade é menor, dependendo do tipo de malformação fetal);

– Avaliar (obstetra e especialista em medicina fetal com a paciente) a possibilidade de teste invasivo (amniocentese, biópsia das vilosidades coriônicas da placenta-BVC);

Quando existe o risco de malformação cromossômica, devemos levar em consideração a idade da paciente, idade da gestação, aspecto morfológico do bebe. Se o risco é muito elevado deve–se dar preferência para BVC (realizada entre a 11a -14a semana de gestação) ou a amniocentese (realizada na 16a semana de gestação). Ambos testes são invasivos, praticamente indolores, mas aumentam a taxa de perda fetal (abortamento). Além do risco hipotético de perda fetal em qualquer gestação seja o feto normal ou não, a amniocentese aumenta em aproximadamente 0,5% e a BVC em 1% o risco de abortamento. Assim, embora a BVC possa ser realizada mais precocemente e o resultado ficar pronto de forma preliminar mais rápido (36 a 48 horas), apresenta o dobro de perda fetal comparada à amniocentese (que é realizada mais tardiamente e o resultado final demorar até 3 semanas)

A BVC é baseada na colheita e análise do trofoblasto (tecido placentário) onde é analisado o tecido de origem fetal da placenta.

A amniocentese analisa as células fetais que estão no interior do líquido amniótico. Ambas técnicas analisam o cariótipo fetal.

– Se o cariótipo fetal for normal, realizar exames morfológicos fetais detalhados, associados à ecocardiografia fetal, por especialista, entre 16 e 20 semanas de gravidez. Frequentemente, os fetos portadores de cromossomopatias apresentam várias anomalias, por isso são chamados de sindrômicos. A malformação fetal mais comum no mongolismo é a cardiopatia (50%), daí a necessidade da realização da ecocardiografia fetal. Podem exister alterações em outros órgãos, que são melhor identificadas à ultra-sonografia quando a gestação está mais avançada ( 20a-24a semana), época em que realiza-se o exame morfológico fetal do 2o trimestre da gestação.

– Investigação de infecção fetal por meio de exames sorológicos maternos; e,

– Pesquisa de síndromes genéticas não-cromossômicas: o cariótipo fetal é normal, porém há alterações da morfologia fetal que pode ou não ser compatível com a vida. Hoje, existe pelo menos 10.000 síndromes catalogadas. Após o nascimento, o recém-nascido deve ser acompanhado por equipe multidisciplinar (médicos psicológocos, fisioterapeutas, ertc,…) de acordo com cada caso.

Nos casos em que ocorre regressão da TN o prognóstico é muito favorável e os pais podem ficar mais tranqüilos.

 

Osso Nasal (ON)

O ON é um novo parâmetro fetal utilizado no rastreamento das malformações no início da gestação.

A sua identificação é importante no rastreamento das MF, pois em aproximadamente 1/3 dos fetos portadores da síndrome de Down , o ON está ausente ou diminuído.

Pelo fato da sua medida (comprimento) nesta fase da gestação (entre a 11ª -14ª semana) ser pequena (varia entre 1,5 a 3,5mm), o examinador prefere relatá-lo da seguinte forma: presente ou ausente.

A raça também é importante na sua avaliação, pois fetos negros afrocaribenhos podem não ter o ON e serem crianças normais.

O perfil da face é o plano ideal para a sua identificação e medida (Fig.3).

A vantagem de utilizá-lo é que associado à TN aumenta a sensibilidade do rastreamento, diminuindo os casos de falso-positivo e o número de procedimentos invasivos.

 

Dr. Ayrton Roberto Pastore

Diretor Clínico da Unidade de Estudos em Ultra-sonografia e Medicina Diagnóstica (UEU Diagnósticos)

Professor Livre-Docente do Departamento de Radiologia da USP.

Especialista em Medicina Fetal (Título outorgado pela FEBRASGO)

 

Referência

Ultra-sonografia em Ginecologia e Obstetrícia (966 páginas), Pastore, AR, Revinter, Rio de Janeiro, 2003. 1ª reimpressão 2006, pp 199-208.